quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Tenho dito

Dói até à raiva que os sistemas públicos de educação, saúde e segurança social, apesar de terem produzido resultados tão incontestáveis na melhoria de vida dos portugueses e serem baratos e sustentáveis, estejam a ser destruídos com o único objectivo de tornar os serviços que prestam pasto fértil da rapina dos lucros fáceis e chorudos. Dói até à raiva que os direitos dos trabalhadores e a concertação social sejam esmagados e a Comissão Europeia se oponha ao aumento do magro salário mínimo. Dói até à raiva que, só por razões ideológicas, se ponha de lado tanto conhecimento acumulado sobre o funcionamento do sistema judicial, para produzir o caos da insegurança jurídica dos cidadãos e das empresas. Dói até à raiva que a PT, até há pouco a menina dos olhos do desenvolvimento português, seja roubada por piratas impunes, e mesmo premiados, e vendida ao desbarato. Dói até à raiva que tudo isto seja normal, business as usual, e que anormal é pensar que podia ser doutro modo.
São três as perguntas dos portugueses.
Como é possível que em três anos se tenha destruído quase tudo o que se construiu em quatro décadas? Como é possível que essa destruição ocorra em democracia, embora ela tenha uma intensidade que historicamente só as ditaduras permitem, como bem ilustra o caso do Chile de Pinochet? Se não há saída deste filme de horror para nós, haverá ao menos para os nossos filhos ou para os nossos netos? Concentro-me na última pergunta, a que mais nos interpela neste momento, pois não haverá saída se nada fizermos por isso.

Este pensamento é o começo do texto de Boaventura de Sousa Santos na Revista Visão desta semana. Um excerto que transmite bem o drama que vive o povo português. Aliás, talvez esteja a ser mais correcta se disser, a dúvida, a incerteza e a revolta do povo português. 
O que adianta aumentarem o ordenado mínimo se a seguir vem o aumento da electricidade, da gasolina, do álcool e do tabaco?
Que adiante palavras de confiança se o que vemos à nossa volta é a desgraça humana e a falência de empresas?
Que adianta falarem em progresso, se na realidade os serviços públicos, nomeadamente tribunais, hospitais e escolas, estão a perder capacidades e qualidade de serviços prestados?
Basta de palavras, basta de injustiças, basta de hipocrisias, basta de mentiras, basta de impunidades ausentes.
E que tal, senhores políticos, começassem a admirar o povo que lhes pagam o ordenado? A admirar aqueles que deixam de pôr a comida na mesa para lhes pagar os motoristas e as respectivas mordomias? E ainda, aqueles que deixam de pagar a electricidade e a água para poder pagar as  vossas despesas de presenças sabe se lá a onde?

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