A uma semana do concerto dos Ornatos Violeta em Lisboa, cresce a ansiedade e a expectativa de os ver, de cantar com eles as suas músicas que fui ouvindo ao longo dos anos na esperança que este fenómeno um dia chegasse. É com Elísio Donas (teclados), Kinorm (bateria), Manuel Cruz (voz), Nuno Prata (baixo) e Peixe (guitarra) que no próximo dia 25 o Coliseu dos Recreio vem abaixo!
Começaram por dar apenas um concerto em Lisboa e outro no Porto. Hoje vão em 6 no total (de 25 a 27 de Outubro, em Lisboa, e de 30 a 1 de Novembro, no Porto) e há muito que todos estes concertos estão esgotados.
A uma semana do primeiro e tão desejado concerto, a revista Visão publicou uma entrevista realizada momentos antes do grupo subir ao palco no Festival Paredes de Coura que aqui passo a transcrever.
Regresso
Manuel Cruz (MC): Foi o culminar de uma pressão positiva, de uma aglomeração de vontades de muitas pessoas... E a circunstância de estarmos dispostos a considerar essa possibilidade,, por causa da distância em relação à época em que nos separámos. Conseguimos ver isto não como um regresso, mas como uma celebração. Não do que fomos, mas do que somos agora.
Elísio Donas (ED): Temos um passado, que são os Ornatos, mas, entretanto, tivemos a necessidade de criar um presente. E os Ornatos foram crescendo um pouco fora de nós, sem nos darmos conta disso...
Kinorm (K): A ideia inicial era um só concerto, mas as coisas foram evoluindo e saíram do nosso controlo.
ED: Tocar num sítio como o Pavilhão Atlântico nunca foi muito o nosso estilo, e a solução foi fazer vários coliseus. Decidimos agendar mais datas para que todos pudessem ir, um pouco como as peças de teatro, que se mantêm em cena enquanto têm público...
MC: Passado todo este tempo, é bonito sentir que a nossa música é algo importante para muitas pessoas. Ao contrário de quando era mais novo, quando disfarçava a falta de confiança com uma certa vaidade e arrogância, hoje sinto-me capaz de aceitar e usufruir essa realidade. Se alguém me diz que uma música nossa foi importante em determinado momento da sua vida, só tenho de me sentir orgulhoso com isso.
Fenómeno
ED: Não tínhamos a noção exacta de como seria. As pessoas à nossa volta, a família e os amigos, diziam-nos que seria assim, mas esses são sempre muito parciais. Na internet, já havia alguns sinais, mas nunca se sabe...
K: Pontualmente, entre nós, sentimo-nos muito bem com a dimensão que isto atingiu, mas depois chegamos à sala de ensaios e esquecemos tudo, só estamos preocupados em que as músicas saiam bem. Quanto ao que se passa fora dali, até é melhor não pensarmos muito nisso.
Relação
ED: Neste momento, estamos na melhor onda possível, que é estarmos os cinco de novo juntos.
K: Depois da separação da banda, cada um seguiu os seus projectos, conhecemos outras pessoas e outras realidades, mas sempre mantivemos contacto, até porque muitos de nós continuaram a tocar juntos. O Manuel fez parte dos Pluto, com o Peixe. Eu e o Elísio tocámos com o Nuno... Essa rotina de partilharmos, todos os dias, a sala de ensaios é que deixou de existir e, como é natural, afastámo-nos um pouco...
Peixe (P): Mas nunca apagámos os números de telefone uns dos outros...
ED: Como todas as pessoas, temos de trabalhar para ganhar a vida e isso, às vezes, não deixa muito tempo para estar com os amigos. Agora é fantástico reunirmo-nos outra vez, todos os dias da semana, para tocarmos...
Rotinas
ED: Não recuperámos as rotinas, criámos outras, mais saudáveis. E ainda bem que assim foi, porque somos outras pessoas. Agora, só ensaiamos de manhã e à tarde, já não tocamos noite fora. E, em vez de, depois, irmos para os copos, vai cada um para a sua casa...
MC: O mais importante foi sentir que havia sintonia entre nós, porque isso significa que estamos bem uns com os outros. Como tocámos muito tempo juntos, a nível técnico, este regresso seria sempre fácil, mas depois há o outro lado. E a verdade é que nos continuamos a divertir muito juntos, rimo-nos das mesmas parvoíces, ainda gostamos de jogar matraquilhos, até temos uma mesa no estúdio. A minha dúvida residia em saber como é que a música ia soar agora, porque, quer queiramos quer não, somos pessoas diferentes. As nossas ansiedades são diferentes das de há 15 ou 20 anos. Temos outro modo de ver o mundo... E isso sente-se na música. No início, ainda ouvi os discos, mas, depois, desisti, porque não me queria colar ao registo do passado e tinha de deixar de ter medo de já não ser aquilo que era, na altura. Não queria imitar-me, mas sim tirar prazer das músicas agora. E isso aconteceu.
ED: Conhecemo-nos muito bem e isso é uma vantagem em palco. Basta-me olhar para cada um deles para saber o que estão a sentir...
Separação
MC: Aconteceu, porque éramos uns putos a crescer para a vida, que se viram obrigados a assumir responsabilidades para as quais não estavam preparados. A questão do dinheiro, por exemplo... Hoje sabemos que, de uma forma ou de outra, acabamos sempre por nos desenrascar, mas, na altura, a perspectiva do futuro era uma preocupação. Foram esses medos que determinaram a separação... Estávamos numa situação em que não conseguíamos dar uma resposta comum, enquanto grupo. Havia várias perspectivas individuais, mas nenhuma colectiva. Agora percebo que fizemos o correcto. Continuarmos juntos teria sido um erro...
ED: Acima de tudo, foi o cansaço... Foram onze anos juntos, em que vivemos tudo de forma muito intensa. Chegámos ao cúmulo de morar juntos... Dormíamos a um metro uns dos outros, depois íamos tocar e, no regresso, tirávamos à sorte quem ia lavar a loiça... Era uma coisa doentia, pior que um casamento, porque nem sequer havia sexo...
Nuno Prata (NP): Mas também acabámos por causa da música. Eu, pessoalmente, queria fazer outras coisas, já não me via a encaixar nos Ornatos...
ED: Começámos a querer impor as nossas ideias aos outros...
MC: E, a partir do momento em que o dinheiro entra na equação, tudo se torna mais difícil. Enquanto as coisas não dão dinheiro, não há qualquer tipo de pressão... Mas, depois, era a escolha do single para passar na rádio, eram os alinhamentos dos concertos, era a obrigação de editar de dois em dois anos...
ED: Tínhamos de justificar as nossas decisões perante muita gente e hoje isso não acontece... Antigamente, éramos só os Ornatos, mas hoje o nosso mundo é muito maior, todos temos os nossos próprios projectos, tocámos com muita gente e agora trazemos tudo isso para a banda... Estamos juntos apenas porque nos apetece tocar em conjunto...
P: Para mim, o fim dos Ornatos foi um período doloroso, mas, enquanto músico, foi o melhor que me aconteceu, pois permitiu-me diversificar a minha actividade.
Futuro
P: Para já, não há nada novo... Fizemos uma ou outra "jam session", em estúdio, mas ainda não gravámos nada.
ED: Às vezes prococamo-nos...
NP: Mas não faz parte dos planos... Quando vejo alguém a inventar algo novo até fico assustado... Digo logo que estamos a perder tempo e devíamos era estar a ensaiar para o espectáculo.
MC: Se essa vontade existir, acabará por acontecer. Mas, se acontecer, já não será Ornatos Violeta, será outra coisa qualquer...
Entrevista na Revista Visão Nº 1024