terça-feira, 9 de outubro de 2012

Há coisas que nos passam ao lado


O aluno do ISCSP que terá assobiado e insultado o primeiro-ministro foi alvo de um inquérito  disciplinar. Aqui está um procedimento potencialmente arriscado. Dêmos graças a Deus pelo "numerus clausus", porque se todo o povo português pudesse frequentar o ISCSP, a Portucel não conseguiria produzir resmas suficientes para registar tanto processo. Impossibilitado pelo regulamento académico de inquirir toda a população de Portugal, o presidente do ISCSP teve de contentar-se com uma única inquirição.
Infelizmente, as notícias sobre o caso não revelam o teor do insulto proferido. Numa altura em que milhares  de cidadãos se manifestam com sanha, gritam palavras de ordem azedas, concebem cartazes obscenos e ainda injuriam avulsamente no dia-a-dia, um rapaz de 20 anos onsegue congeminar um insulto que se destaca de todos os outros. Que estupenda ignomínia foi essa? Os jornais não dizem, o que é significativo do estado em que se encontra o jornalismo português. 
Do ponto de vista académico, o jovem merece menos um inquérito do que um louvor. Para um estudante de um instituto de ciência política, insultar o primeiro-ministro não é passatempo, é dissertação; não é protesto, é TPC. Além disso, o insulto foi tão bem concebido que chamou a atenção de um segurança do primeiro.ministro, que, perante a gravidade da ofensa, se sentiu na obrigação de ser, mais do que guarda-costas, guarda-dignidades.
É possível que o insulto permaneça na obscuridade por acção zelosa dos serviços secretos. Se uma ofensa desta dimensão caísse no domínio público, qualquer cidadão poderia utilizá-la, em todo o lado e a toda a hora, mortificando continuadamente a honra do primeiro-ministro. Trata-se, pelos vistos, de um enxovalho de maledicência maciça, e não admira que tenha sido decidido, ao mais alto nível, abafá-lo.
Em defesa do estudante, tem sido dito que o governo também insulta os portugueses. E deu-se como exemplo a recente intervenção de António Borges, segundo o qual os empresários portugueses críticos da TSU não passariam do primeiro ano do curso que lecciona na universidade. Ora, sucede que isto não é um insulto. António Borges não está a sugerir que os empresários não seriam capazes de obter a licenciatura. Não passar do primeiro ano não impede ninguém de tirar o curso. Miguel Relvas não passou do primeiro ano e nem por isso deixou de se licenciar. Temos mesmo de parar de ser tão sensíveis.


Ricardo Araújo Pereira   

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